terça-feira, 30 de junho de 2009

Dois degraus

Foi você quem apareceu e disse que ia mudar a minha vida. Eu não pedi nada. Disse ainda que ia me levar para o lugar onde eu merecia estar, ao lado da Ursa Maior. Achei um exagero, mas paguei para ver. Então você construi o pedestal de um lugar só. Expliquei que não gosto de ficar no alto sozinha. Você não gostou, mas fingiu que estava tudo bem. Não sirvo para estantes. Gosto de ser tocada. Mas nunca soube como era, você nunca tirou as luvas. Nem mesmo na hora de apertar a minha mão, quando você disse que lamentava. Nunca deu certo. Por um lado, você tinha razão: o estágio em que você me deixou já não era o mesmo de antes. Estava dois degraus abaixo. De lá, não enxergaria a sombra dos meus próprios pés. Os mesmos que deveriam ter seguido no sentido contrário. Um segundo antes de aprender que ninguém voa com um peso amarrado na perna.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Aquarela


- Verde. Tá decidido.

Não era verdade. Essa era só mais uma das decisões que não sabia tomar. É uma parede, não pode ser tão difícil. Em ocasiões muito mais complicadas, o veredito saiu sem conhecer sua vontade. Como no casamento. O noivo já fez o pedido com data marcada e festa montada. O vestido foi desenhado pela mãe. Ela só tinha que comparecer. E ela foi. O futuro marido providenciou para que alguém a conduzisse em todos os momentos, não daria chance a nenhuma dúvida de última hora. A lua-de-mel, a casa, o nome dos filhos. Não tinha tempo de pensar, já recebia a certidão de nascimento assim que abria os olhos. Até a separação foi iniciativa dele, que saiu de casa levando a vida que ela conhecia. O pintor veio por indicação da mãe: é preciso mudar o ambiente, cobrir o passado com outra cor. Que ela não tinha ideia de qual seria. Talvez o rosa fique melhor.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Tá chegando


Eis a programação da Off Flip, o circuito paralelo de ideias. Faz parte dela uma conversa com os autores premiados no ano passado e o lançamento do livro com os contos selecionados. Como faço parte desse rol, devo aparecer por lá.

Se quiser saber mais, visite http://www.paraty.com/clientes/offflip2009/. Se quiser ler o conto que ficou em terceiro lugar no ano passado, clique aqui.

terça-feira, 23 de junho de 2009

Caçula

Herdava vestidos, livros, sapatos, amigos. O amor era dividido por três. De seu, o espelho. Reflexo da solidão.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Coincidência ou não, essa semana fiz dos posts que formam o nome desse livro. Assim, um em seguida do outro. Isso quer dizer alguma coisa. Talvez que seja um livro imperdível, pelo menos para mim.

Com organização do Marcelo Maluf, o mesmo do labirintos no sótão, o mesmo do Jorge do Pântano que fica logo ali, o livro Era uma vez para sempre será lançado amanhã, na livraria Martins Fontes, na Paulista. Mais um da TerraCota Editora, que lançou também há pouco o Blablablogue, com organização de Nelson de Oliveira.

O livro traz 20 contos infanto-juvenis de autores veteranos e 10 de autores iniciantes. Uma ótima iniciativa da editora, um bom jeito de colocar a cara de gente nova para fora. Até a veteraníssima Tatiana Belinky participa dessa. Bora lá. Como sempre, informações abaixo. Clique na imagem para ampliar.


quinta-feira, 18 de junho de 2009

Limão com açúcar

Uma xícara de chá, por favor? Mas traga com bastante limão, que não quero saber de nada doce. Felicidade demais cega a gente, moço. Quando tudo começa a dar certo, é que tá na hora de procurar outro rumo. Veja o senhor que meu filho é um homem bom. Sempre estudou, trabalha bastante, casou com moça de família e agora teve um menino. Saudável, com a graça de Deus. Eu olhei bem para a cara do bichinho. Apertei as vistas. Não achei um traço no moleque que seja parecido com ele. Nem com a mãe. Só tem duas explicações: ou se parece com outro pai ou foi trocado. E, como meu filho tava na sala de parto e acompanhou a criança, acho que só vale a primeira. É por isso que acredito no amargo da vida. Veja que eu comi pão dormido, catado em porta de padaria, contei com a caridade de muita gente que não tava nem aí para isso. Hoje sou assim. Pode estar sol, eu sempre procuro um abrigo para a hora que a chuva chegar. Que faço agora com meu filho, sei não. Acostumado ao bem viver. Nunca se desiludiu. E mãe tem direito de abrir os olhos do filho para a primeira vez? Vá, traga a conta. E um chocolatinho, que ninguém é de ferro.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Era uma vez

Um sapo pulou no meu colo e me pediu um beijo. Esmaguei o bicho. Sapos não deviam falar.

terça-feira, 16 de junho de 2009

Para sempre

Alerto o motorista, já estamos chegando. Vou entrar novamente na sua casa. Você não me espera. Ou talvez. Para mim, será um susto. Não pensava em voltar aqui. Eu queria. Mas nosso último contato me tirou qualquer possibilidade. Não achava que você me amasse. Mas acreditava que era possível. Você deixou bem claro. Nunca. Recuei humilhada. Catei minhas lágrimas e levei para outro lugar. Longe. Eu ia morrer. Seu desprezo me acordou. Melhor viver com essa chaga. Melhor viver. Tratei de ter filhos. De outros. Usei meu amor em novas pessoas. Parti minha alma em pedaços e me reconstrui. Abstraí suas teorias. Abortei sua memória. Esqueci você.

Foi por isso que quando o telefone tocou eu disse quem? A pessoa repetiu seu nome e eu disse não conheço, nunca vi. Então, ouvi em outra voz as suas palavras. Cuide-se. Estão endereçadas a você, ela disse. Seu rosto me encarou com a mesma ordem daquela última vez: Cuide-se. Foi o que eu fiz.

Diferente de você. Que agora só tem a mim. Mesmo depois de vencido o seu tempo. Quando não fará mal a mais ninguém. Talvez aos vermes.

(livremente inspirado no trabalho de Sophie Calle)

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Tarde demais

A tristeza é nunca ter sido mais do que um enfeite. Um mal necessário na sua vida, a personificação do que você precisava ter, mas não queria. Mesmo assim, não pedi nada. Não exigi meus direitos. Violentei meus próprios desejos para dar vazão aos seus. Fui além da minha própria fé. E você nunca acreditou em mim. Hoje abro mão de você.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Trilha sonora

O dia começou tão banquinho e violão que eu não esperava que terminasse assim, Paco de Lucía. Caliente.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Caso sério

Dei uma banana para o seu prédio. Só porque é ele quem me rejeita. Quem me tira da sua cama. Desgraçado. Chutei o portão com força. Vê como você me machuca? Como eu choro por sua causa? Passei a mão nos cabelos, não quero parecer louca. Mas o porteiro me olha e eu odeio. É por isso que grito assim. Maldito prédio onde eu não posso mais entrar. Que engole você. Que não deixa você me abraçar aqui fora. E ainda me expulsa no banco de trás de um carro de polícia.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Depois do espetáculo

A bailarina esparramada no chão da sala lembrava um tapete. Mal localizado e muito menos inocente.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

De outro mundo

- Esse trânsito de São Paulo, né.
- Pois é.
- Terrível.
- Muito.
- Você pega sempre?
- Quase todo dia.
- Mas você não parece estressado.
- É que eu acabo aproveitando esse tempo.
- Como?
- Lendo.
- É?
- Já foram muitos livros assim.
- Mas dá?
- Claro.
- Eu não conseguiria me concentrar. E hoje?
- Que é que tem?
- Você não tá lendo. Por que?
- Não é óbvio?
- Não…
- Tô de carona.
- Desculpe, pode ler, eu fico quieto.
- Imagina. Eu não conseguiria.
- Por que?
- Já virou um ritual próprio, sabe? Eu preciso estar ao volante.
- Bom, se você quiser, a gente pode trocar de lugar.
- De jeito nenhum.
- Não entendi.
- Tem que ser no meu carro.
- Mas você é exigente, hein?
- Não me leve a mal, é que eu fico mais à vontade.
- Tipo, você tira a roupa?
- Não! Ô rapaz, dirige aí e esquece essa história, vai.
- É que eu gosto de conversar enquanto tô dirigindo.
- Então, vamos falar de outra coisa.
- Você não quer ler pra mim?
- Não! A minha hora de leitura é só minha, o engarrafamento é só meu. Eu não vou ficar explicando isso.
- Você tá muito abusado pra quem tá de carona.
- Sabe que você tem razão? Me deixa aqui, vai.
- Mas a gente ainda tá longe!
- Prefiro ir de ônibus.
- E no ônibus você vai ler?
- É claro.
- Eu sabia!
- Não é nada pessoal. Eu só prefiro outras companhias.
- Que absurdo! Você prefere os passageiros?
- Não. Eu gosto mesmo daquelas que não falam. Pelo menos não em voz alta.
- Você é muito insolente, rapaz! Agora vai me dizer que ninguém fala alto no ônibus?
- É dos personagens dos livros que eu tô falando.
- E ainda é sabidinho. Nunca mais te dou carona!
- Ainda bem.

terça-feira, 2 de junho de 2009

Poeta

Matéria de Gilberto Amendola no caderno Variedades do Jornal da Tarde, edição de hoje. Para ver maior, é só clicar na imagem.

Desse jeito, esse blog fica besta, besta.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Até um dia

A um passo de bater a porta eu repensei a nossa vida inteira. Concluí que a sua cara não merecia. Nem mesmo esse gesto. No máximo, um óleo de peroba.