quinta-feira, 30 de abril de 2009

Do tipo imperdoável

Tem gente que se tortura por muito pouco. Penso que não seja o meu caso: me acho uma péssima amiga. Esqueço datas, não me lembro de comprar presente, não telefono para jogar conversa fora. Ontem esqueci de divulgar o lançamento do novo livro do Samir Mesquita (aquele das caixinhas de fósforo, lembra?). Pelo menos compareci. E Samir surpreendeu de novo. Seu novo livro-objeto 18:30 é uma instalação em si mesmo. Bom de ter, bom de presentear. E é muito fácil conseguir um. É só clicar ali no nome do Samir e comprar pelo site ou catar nas boas livrarias. Ele ainda abre uma nova opção: trocar um livro que você já tenha pelo dele. Vai lá no site que você vai entender melhor.

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Tensão Pré Matrimônio

- Posso fazer uma pergunta?
- Já fez.
- Engraçadinho. Por que você está comigo?
- O que?
- É que às vezes eu me acho tão sem-graça… O que você viu de especial em mim?
- Ficou louca?
- É sério, eu preciso saber.
- Ah, sei lá. Eu acho você legal.
- Só isso?
- E bonita, também.
- Você não acha pouco para dividir a vida com alguém?
- Nunca pensei nisso.
- Por exemplo, a Renata incentiva o Rogério a pintar. Ela segura as pontas quando ele resolve fazer só isso.
- Isso é legal.
- A Ilma acolheu a mãe do Ivan na casa deles.
- Putz, essa já é santa.
- Eu nunca fiz nada assim por você.
- É verdade.
- Você não se ressente?
- Pensando por esse lado…
- Talvez você precise de alguém que dê um empurrãozinho para você escrever o seu livro.
- Poderia ser bom.
- Ou ainda que aprendesse a cozinhar com a sua mãe.
- Melhor não. Eu podia engordar muito.
- Tá vendo? Pensei logo numa coisa que ia te prejudicar.
- Também não é assim.
- E se eu não servir para você? Estaremos os dois perdendo o nosso tempo?
- Calma, Clotilde.
- A gente vai acabar ficando velho e ninguém mais vai querer a gente.
- Mas eu já tenho você.
- E eu sou por acaso algum prêmio de consolação?
- Não, meu amor.
- Meu amor? Você está debochando de mim, Luis Henrique?
- Não, querida!
- Querida? Você nunca me chamou assim. Já sei, você tem outra.
- Ah, não.
- Eu sabia que tinha alguma coisa errada.
- Olha, eu vou dar uma saída, viu? Quem sabe você se acalma.
- Volta aqui, Luis Henrique. Fala agora o nome da vagabunda.
- Quem sabe na volta. 

terça-feira, 28 de abril de 2009

Presente

No amanhecer do dia, você vai enxergar-se no espelho. Não um reflexo do que você é, mas do que foi. Nem tudo o que verá será belo. Mas você será capaz de superar, mesmo que não pareça. Depende dos atos que se seguirão a essa cena. E esses só você será capaz de escrever. Não tenho conselhos para dar. Você pode encontrá-los na imagem formada na sua frente. Se olhar com atenção, poderá até escutá-la. Espero que sobreviva.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

O gato diz adeus

Michel Laub é, sem dúvida, um dos grandes nomes da literatura brasileira contemporânea. Vai escrever assim. Já publicou três livros de contos e agora lança seu primeiro romance. Hoje, na Mercearia São Pedro. Juntar a Merça com um bom livro é perfeito. É do tipo imperdível.
As informações estão logo abaixo. Aparece lá.


Agora, se você vai perder essa, não deixe de comprar o livro. Já está nas boas livrarias. 

sexta-feira, 24 de abril de 2009

I can’t stop loving you

Quantas saias tem aquele vestido que sobe as escadas? Tão lindo. Combina com a música que abre o baile e com os olhos do rapaz que finge ajudar com os degraus. Os saltos parecem não afetar o rebolado da moça que sobe em seguida e deixa muitos queixos esparramados no chão. Mais carros encostam no meio-fio. Mal se vê a decoração da entrada, que agora é formada por sorrisos altos, penteados, gomalina e gravatas. Os primeiros acordes começam e os gritos invadem o salão. Daqui de fora, chegam abafados. Desligo a televisão. Aqueles é que eram tempos.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Quando tudo está bem

Pulou a cerca sem ver onde caía. Não porque fugisse. Ser super-homem tem dessas coisas. Quando sentiu o impacto da grama, lembrou que não era. Viu a perna tomar um rumo inesperado. O barulho foi isolado do resto e amplificado dentro da sua panela de pressão. Putaquiupariu. Quebrou de novo. Poderia tentar voar. Não, seria muito arriscado. Foi puxado por um braço amigo. Não posso pisar. Eu te carrego. Outro super-homem. Não parece uma boa ideia. Logo estava dentro de um carro. Não ouviu mais a música, não viu mais ninguém. Um filme de longos meses foi reprisado na sua cabeça. Mesas de operação, botas, muletas. Já superei isso uma vez. Ambulância, hospital, maca. A segunda parece insuportável. Dia seguinte. Outra cidade. A namorada. Alívio. Talvez agora seja mais fácil.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Conselhos tolos

Pode parecer que estou feliz com essa situação. Não sei se concordo. Talvez a maturidade me traga o privilégio de ser o que não sinto. Você pode achar que a vida vai ser melhor do que é. A mim já não é mais permitido fazer esse tipo de confusão. Dizer o óbvio às vezes nos redime de não ter feito a coisa certa quando fomos requisitados. É por isso que repito: o tempo passa. Sei que você não entende, porque é debochada a sua atitude. Você vai ter que viver mais. Mesmo assim, nunca vai me agradecer pelo que faço agora. Vai transferir todo o seu ódio para mim. Pode ser, sim, que, nesse dia, eu fique feliz. Porque ao menos você será um ser humano inteiro. Digno. Como pretendo ser com essa conversa. Alguém que viveu na medida. Nem mais, nem menos. Que subutilizou suas horas. Não seguiu o roteiro que você traça hoje. Se ao menos tivesse me ouvido.

domingo, 19 de abril de 2009

Profecia

No prazo de 30 dias, a sua vida vai se transformar. Você ficará mais consciente dos seus erros, mas nada poderá fazer para repará-los. A percepção da dor causada às pessoas que ama vai provocar uma ferida maior do que todas. E nada que fizer vai amenizá-la. Nenhum vazio será invertido, nenhuma dedicatória vai alterar o seu futuro. Ninguém terá a potência de salvá-lo. Você será sua própria companhia e vai se encarregar de afastar qualquer outro. Para que ela impere sozinha. Aquela que, ao final dos 30 dias, será dona da sua essência.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Far from home

Enquanto voo, observo as casas e coloco-as na palma da mão. Gosto de ver como vivem, como se alimentam, como eliminam seus pecados. Ninguém é dono delas, assim como a mim não pertence um lugar. Por isso acho difícil andar, por isso não moro, mas habito histórias que nunca terminam. Um ponto final é como um assassinato a sangue frio. Um corte definitivo nas minhas asas.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Pele

Cheiro. Arrepio. Beijo. Língua. Mão. Textura. Quente. Suor. Contato. Perto. Dentro.

terça-feira, 14 de abril de 2009

Pequenas exigências do amor

- Mandei o texto.
- Eu vi.
- Já leu?
- Ainda não.
- Por que?
- Por que você acha?
- Tá trabalhando, né.
- Então.
- É que eu preciso da sua opinião.
- Você entendeu que não dá?
- Lê rapidinho.
- Rapidinho não dá pra dar opinião.
- Tá, então faz uma pausa do trabalho.
- Você sabe que não é assim.
- Fala que tá com dor de barriga.
- Não dá.
- Mas eu preciso mandar esse texto hoje.
- Então manda sem eu ver.
- Não posso. É um concurso, você sabe.
- Meu Deus! Tá bom, eu vou dar um jeito.
- Por que você não lê enquanto fala comigo?
- Porque é impossível prestar atenção no texto.
- Eu fico quieto.
- Não. Agora desliga que preciso trabalhar.
- Promete que vai ler?
- Prometo. Vou desligar, tchau.
- Amor?
- O que é?
- Dá pra mandar de volta em 10 minutos?

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Alvo

Moro na sua sombra. Não se preocupe, já me acostumei. Daqui vejo seu dedo levantar muitas vezes, nunca para mim. Quantos não se rastejam a sua frente, desejando seu calor, mas não querem pagar o preço pela sua alma. Eu não preciso disso, por mais que essa espera me atormente. Sei ter paciência. Quando for a minha vez, não precisa nem dizer meu nome. Basta me enxergar.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Ídolo

Fico calado diante do gigante. Não que eu não tenha nada para falar. Esperar por ele me enterrou os pés no chão. Claro que ele nem percebeu minha presença. Devo ser como uma formiga, ou um inseto ainda menor. Ele é muito mais do que eu poderia supor na minha jornada, mais curta do que eu gostaria. Bastou que ele desse o primeiro passo.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

E se isso não é amor

Um pote vazio. Tábuas soltas. Portas empenadas. Enxergo através das paredes, enquanto as janelas se encarregam de me esconder. Faz calor. Os novos habitantes rastejam no escuro, posso ouvir. A cadeira virada traz flashes à memória. Não sei o que faço aqui. Talvez esteja viciado na dor. Ou, quem sabe, este seja meu tratamento de choque. Só assim poderei reconstruir seu rosto, seu corpo, seu cheiro. E desenterrar você de vez.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Até o fim

O dia não parece feliz em me ver. As poças de água me ameaçam, mas posso sobreviver a elas. O tempo não é mais meu amigo. Finge não entender minhas dores, quando antes foi meu único aliado. A rua me vira as costas. O sol bate tímido em meus ombros. Mas some, logo que o céu percebe a afronta. As nuvens me seguem como soldados. É hora de dar o primeiro passo. 

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Saudade

A ponta do cigarro bateu no tapete. O gato passou em cima fazendo com que ela entranhasse no arbusto sintético, criando uma marca para eu não esquecer que algum dia você esteve aqui e me disse que nunca mais ia voltar. Venerei a mancha como quem entrega a alma a uma causa perdida, como se esperasse você surgir de dentro dela dizendo que tudo não passou de um trote. A sala ficou velha, tive que me despedir de muitas histórias em sofás furados e cadeiras quebradas, mas nunca deixei que te levassem. Recolho as cinzas todos os dias. Ainda te espero.