sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Aos homens de boa vontade

- Que é isso?
- Nossas fotos.
- Mas estão rasgadas.
- Eu sei.
- Foi você quem fez isso?
- Foi sim.
- Você vai se separar de mim?
- Claro que não.
- Então por que você rasgou nossas fotos?
- Achei melhor.
- Não tô entendendo nada.
- Pensa bem, assim eu já poupo uma etapa.
- Do que?
- Do casamento.
- E que etapa seria essa?
- A da raiva.
- Como assim?
- Vai ter um dia em que você vai aprontar alguma e eu vou ficar morrendo de raiva de você. Daí vou cometer atos impensados, tipo atacar as nossas fotos.
- E aí?
- Se nessa hora eu der de cara com as fotos já rasgadas, vou me lembrar de agora.
- E como é que isso vai ajudar?
- Porque vou me lembrar que eu gostaria de rasgar as fotos mas não devo.
- Mas elas já estarão rasgadas!
- O que vai me impedir de rasgá-las num ataque de raiva.
- Vamos dizer que eu concorde ou sequer entenda essa lógica absurda.
- Com o tempo você vai ver que faz todo o sentido.
- Ok, suponhamos que sim. Tem mais alguma coisa que você distruiria num ataque de raiva?
- Sim, várias coisas.
- E você já destruiu alguma outra previamente?
- Por enquanto, só as fotos.
- Posso saber quais são os outros itens, por favor?
- Hum, acho melhor não.
- Por quê?
- Porque aí você iria me impedir.
- Nem me passou pela cabeça fazer isso. Juro.
- Tá, mas acho melhor não falar, não.
- Certo. Então preciso te contar uma coisa.
- O quê?
- A partir de hoje, estou alugando nossa garagem para outra pessoa.
- Por quê?
- As fotos, tudo bem. Mas o carro, não.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Bora

- E se a gente largasse tudo e fosse embora?
- Tudo o quê?
- Tudo, tudo. Trabalho, família, casa, carro. Tudo.
- Meus amigos também?
- Tudo.
- E a pelada do domingo?
- Tudo, já falei.
- Mas e o timão?
- Ah, você pode acompanhar de longe.
- E pra onde a gente iria?
- Sei lá. Pra França, por exemplo.
- Mas eu não sei falar francês.
- Aprende, oras.
- Ah, não. Vai demorar muito e eu vou acabar me dando mal.
- Tá. Tipo Londres, então.
- Muito frio.
- Argentina.
- Deus me livre.
- Itália!
- Não ia dar certo.
- Por quê?
- A gente ia comer muito, você ia engordar...
- Ih, tem esse risco. Espanha, então.
- Pode ser...
- Jura?
- Tem o Ronaldinho, agora o Kaká.
- E o espanhol?
- Ah, é mais fácil de aprender.
- Acho lindo homem falando espanhol.
- Hum. Sei não.
- O quê?
- Depois você se apaixona por um gringo.
- Que bonitinho! Seu bobo, eu só tenho olhos pra você.
- Sei. Até chegar lá.
- Que é isso, meu amor?
- Prefiro fica aqui mesmo. Já conheço a concorrência.
- Que horror! Você não confia em mim?
- E por que você quer ir, afinal?
- Eu preciso experimentar coisas novas.
- É disso que eu tô falando.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Croupiê

Mais uma noite de trabalho. Cigarro por toda a parte. Quem é que vai fiscalizar um cassino clandestino? Meu olho arde, tenho uma bruta tosse, mas tá cada vez mais difícil conseguir trabalho. Preciso do dinheiro. É duro ver esse bando de otários perdendo tanto. Ninguém se importa. A velha é que me deixa semper umas fichas. Mesmo quando não ganha. Faz tempo que ela não aparece. O mês fica mais magro sem ela. Duro é aguentar o apertão na minha bunda. Tudo bem, vale o preço. Ela anda doidinha para me levar para casa. Não ia ser mal tirar uma grana dela e ainda dar umazinha, pelos velhos tempos. Mas adio sempre. Vai ver, ela se cansou de esperar e resolveu procurar outro. Só em imaginar a velha sem roupa, acontece comigo um efeito viagra ao contrário. Nunca tive esse problema, comia o que aparecesse. Mas o corpo já não responde como antes. Ela não sabe. Estou velho.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Mesa de dados

As peças sacodem na mão. Precisa ganhar. Deixou o tempo passar, contado que a situação se resolveria sozinha. Mas o melhor remédio não foi a cura. Não poderia ser. Quando viu, já tinha casado. Agora a mentira viria a tona. Todas elas. Não sou rico. Era a primeira condição imposta pelo pai de Sonia. Tive que rebolar pra enganar o velho. No sentido literal da palavra. Trabalhei nesses bares, expus meu personagem pra sustentar os desejos da minha pérola. Não fiz por causa do pai, fiz porque ela merece. Pensar que ela me espera no quarto para consumar a nossa felicidade. Virgem. Quase. Posso sentir o cheiro doce que ficavam em meus dedos. Quantas vezes te penetrei com eles, prometendo que seria melhor ainda quando esse dia chegasse. Como fazer você entender que fiquei cego no dia em que te conheci? Te entreguei minha identidade e agora vou ter que jogá-la fora. Fugir e mais uma vez rasgar a maior mentira que a vida me contou. Não posso te fazer feliz, minha pérola. Não posso te dar o que eu não tenho: o corpo de um homem.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Ilusão

Traços de criança me olham do espelho. Um retrato de quando eu achava que a vida se passava entre a Barbie e o Ken. De carro rosa e tudo.