terça-feira, 18 de agosto de 2009

Redenção

A porta do metrô abriu, uma mulher apareceu. Era ela, eu sabia. Entrou e se posicionou ao meu lado. Tentei não me desesperar.

Era bonita. Mais baixa do que eu, cabelos curtos, pretos, lisos. Também parecia mais nova. Não pude deixar de pensar que já fui assim um dia. Até mais bonita do que ela. Meu ex-marido costumava dizer que meus olhos eram capazes de matar um homem. Mas foi só pra me conquistar, porque logo ele preferiu os peitos. Que não eram os meus.

Meu corpo reagiu. Os seios, rejeitados, se voltaram contra mim. Já estava sozinha quando tive que me despedir deles. O tratamento, a parte mais difícil, veio depois. A pouca energia que me resta anseia por um final.

A figura da moça perto de mim era bem diferente da que eu imaginava. Não sei como a reconheci. Acho que eu queria que fosse ela. Ou ela é como eu queria. Não entendo bem essas coisas. Sei é que a esperava. Mas ela não disse nada. Será que colhia meus pensamentos? Comecei a ter vergonha deles. Meu rosto esquentou, veio um calafrio. Tirei o casaco, pendurei no braço. O metrô sacudiu os túneis até parar na estação seguinte. Ela me olhou. Sorriu. A porta fechou, o trem voltou ao samba e ela a olhar para frente. O que eu podia fazer? Decidi que esperaria ela se manifestar.

Continuamos assim por mais algumas estações. Lá pela terceira, perdi as forças. Fui caindo aos poucos. Os joelhos dobravam mais a cada segundo. O casaco pesava no meu braço. A cabeça pendeu pro lado, não tinha vontade de reagir. Ela me encorajava a continuar. Percebi quando minha bolsa escorregou e ouvi o peso da minha estrutura desmoronar em seguida. Roguei pela última vez que ela me levasse. Expulsaria-me enfim daquele corpo mutilado. A última coisa que senti foi seu beijo frio nos meus lábios.

Um comentário:

p disse...

bonito conto, Fernanda. Me faz pensar em verbos longos e soprosos, tremeluzir, soçobrar, coisas assim.