Lembrou-se do dia em que as prateleiras foram colocadas ali. Caixas que moravam há tempos no fundo do quarto finalmente se abriram, cada vida foi encontrando seu canto, até que não sobrou nem um pedaço de ar, nem um vazio. Os que chegavam depois acabavam empilhados em cima dos outros, que resistiam a ceder seus lugares. Mas eles foram se misturando com o tempo, criando uma espécie de sociedade anarquista. Ali, todos eram importantes, até mesmo aqueles que encontravam irmãos gêmeos.
Havia os que tinham dedicatória, algumas ele mesmo escreveu. Outros sequer abriu, mas eles gritavam tanto nas livrarias e nos sebos que ele os levou para casa.
Não poderia separá-los, era um sacrilégio só pensar nisso. Não era o caso de provocar tanta tensão naquele ambiente. As lombadas encostavam-se umas nas outras. As mais velhas apoiavam-se nas mais novas, que se resignavam com carinho. Eram muias cores, tamanhos e formatos, o que só ajudava a completar aquele quadro harmônico e perfeito. Não, não desejava essa dor a mais ninguém.
Pegou um papel rasgado no chão, o hidrocor que usava para identificar as suas caixas e escreveu um bilhete, que deixou pregado na porta. Por mais que doesse deixá-los, sabia que era a única solução. Olhou a estante pela última vez antes de sair. Acenou com uma reverência, um misto de respeito e inveja. Bateu a porta e nunca mais voltou.
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