segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Badaladas

A menina olhava para o sino e pensava que língua era aquela que ele falava. Vai ver tá com dor de garganta. Que nem quando o médico mandou meu irmão dizer aaaaaahhhhh e também balançou tudo lá dentro. Essa boca é bem grande. Por onde será que ele sente o cheiro das coisas?

As flores brancas agora balançavam presas à corda. A menina, satisfeita, fez uma reverência. Correspondia à felicidade do sino com o novo adorno. O perfume se espalhava a cada badalada.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Viagem

Faço parte do coro que pede paz, mas não quer sair da briga.
Engulo o óbvio e mastigo sentimentos.
Alimento os alienados e os profetas.

Espero pelo momento de aterissar nas ondas. E que elas me levem. Até onde minha consciência está.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Página virada

Na volta às origens, o desencontro se traduz em euforia. Nunca mais seremos os mesmos.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Realidade aumentada

Ainda carrego o sonho da noite passada. Se é que um dia foi sonho. O quarto tem um cheiro estranho, traz recordações ao meu corpo. Deixo-me levar pelos efeitos sem pensar em nada. Uma frase me chama de volta. Desde quando me tornei essa pessoa? Não que eu consiga me lembrar de quem eu era. Rolo na cama, enrosco-me nos lençóis, a febre me domina. Um arrepio de prazer me sobe pela espinha, quero mais. Preciso que aquele que habita minhas noites não me abandone. Sei que ele não fará isso. Não ele. Estamos presos no mesmo lapso. É tudo o que me resta na minha loucura.

Contemplo o espelho, a imagem me lembra um quadro do Caravaggio. Sombrio. Quero ver o futuro, mas é o passado que trago de volta e tenho medo. Justo porque o conheço é que tenho medo. Não deixei para trás as minhas dores. Não consigo seguir em frente com esse peso morto. Sei que estou pronta. Levo comigo as escoriações.

A sombra substitui o dia. Não tenho certezas, nunca tive. Procuro o tato do ar, tem alguma coisa ali que preciso alcançar. Não há mais tempo. Desequilibro, busco um apoio, volto para dentro do quarto, encaro meu armário. Anseio-te. Espero que a noite me preencha de vez.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Dia de Glória

Vejo a vizinha chegar em casa no final da tarde. Ela acena para a minha janela antes de entrar. A porta se abre, a mão do marido sai antes dele, agarra os cabelos longos (ele gosta assim) e a joga no chão, arrastando seu corpo pela calçada. Ela implora que ele pare, ela sempre faz isso, mas ele vira seu rosto e esfrega no esgoto, enquanto lhe grita nomes que ferem mais do que os ouvidos. Não sei por quanto tempo mais ela será capaz de aguentar a tortura a que este homem lhe submete todos os dias. Ela, que faz tudo para agradá-lo. O moço da ong aqui de baixo falou que isso é doença, que ele precisa de tratamento, mas ela tem que denunciar. É fácil para o moço falar. Não é ele que vai colocar seu homem na cadeia para passar alguns poucos dias e voltar com uma fúria maior que sua própria força. A vizinha não tem para onde ir. Ela só tem aquela casa onde, para entrar, deixa a dignidade do lado de fora. No mesmo lugar onde hoje ela deixou a vida, aos olhos escondidos de todos nós.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Redenção

A porta do metrô abriu, uma mulher apareceu. Era ela, eu sabia. Entrou e se posicionou ao meu lado. Tentei não me desesperar.

Era bonita. Mais baixa do que eu, cabelos curtos, pretos, lisos. Também parecia mais nova. Não pude deixar de pensar que já fui assim um dia. Até mais bonita do que ela. Meu ex-marido costumava dizer que meus olhos eram capazes de matar um homem. Mas foi só pra me conquistar, porque logo ele preferiu os peitos. Que não eram os meus.

Meu corpo reagiu. Os seios, rejeitados, se voltaram contra mim. Já estava sozinha quando tive que me despedir deles. O tratamento, a parte mais difícil, veio depois. A pouca energia que me resta anseia por um final.

A figura da moça perto de mim era bem diferente da que eu imaginava. Não sei como a reconheci. Acho que eu queria que fosse ela. Ou ela é como eu queria. Não entendo bem essas coisas. Sei é que a esperava. Mas ela não disse nada. Será que colhia meus pensamentos? Comecei a ter vergonha deles. Meu rosto esquentou, veio um calafrio. Tirei o casaco, pendurei no braço. O metrô sacudiu os túneis até parar na estação seguinte. Ela me olhou. Sorriu. A porta fechou, o trem voltou ao samba e ela a olhar para frente. O que eu podia fazer? Decidi que esperaria ela se manifestar.

Continuamos assim por mais algumas estações. Lá pela terceira, perdi as forças. Fui caindo aos poucos. Os joelhos dobravam mais a cada segundo. O casaco pesava no meu braço. A cabeça pendeu pro lado, não tinha vontade de reagir. Ela me encorajava a continuar. Percebi quando minha bolsa escorregou e ouvi o peso da minha estrutura desmoronar em seguida. Roguei pela última vez que ela me levasse. Expulsaria-me enfim daquele corpo mutilado. A última coisa que senti foi seu beijo frio nos meus lábios.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Vende-se

- Seu moço, tô vendendo pensamento, quer comprar não?
- É o que, menino? E pensamento lá se vende? Quem haveria de comprar?
- Pois muita gente que por aqui passa se interessa. Tem gente que quer pensar não. Prefere comprar pronto.
- E como é que é isso? Vende pensamento de qual serventia?
- Ora, pra tudo tem oferta. Se é coisa de resolver, o pensamento acende a luz e bota as coisas no lugar. Se o mal é de coração, a gente trata de fazer mais confusão, que é pro freguês sair daqui com o produto na cabeça. Que a provocação é a mãe do pensamento, né não?
- Oxe, e quem compra não sabe pensar sozinho não?
- Saber, sabe. Mas acha que consegue não. Pensamento do bom mesmo é coisa rara. E aqui só se vende do melhor. E quem não precisa de um?
- Mas assim não fica todo mundo com a ideia igual?
- Só se o freguês comprar no lugar errado, sem certificado. Que o de verdade logo vira dele. E muda pra cada um.
- Se é assim, vou querer. O miolo tá velho, não pega nem no tranco. Posso ter ideia nova e faxinar as velhas. E quem quiser que fique com elas.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

No topo

Toquei o céu. Trancei as pernas no avião que passava e provei o gosto de sorvete de algodão. Não tenho ideia de onde vou parar. E isso é o melhor de tudo.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Resgate

Passei por aqui para ver você. Mas aterrei meus sentidos na porta de entrada. Não poderia. Hoje não. Minha razão se sobrepôs. Ao medo. Dor de todo o meu tempo. Aquele que já não tenho mais. Pressa. Pulo o muro para chegar mais longe. Estalo o joelho perto do ouvido e corro. Na direção contrária. Procuro uma barriga. Onde me esconder. Aqui fora faz muito frio. Jogo meu corpo contra a parede. Não sinto nada.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Meio cheio

Sol no corpo é sinal de cor mas também é sinal de sarda. Para os mais radicais, câncer de pele. É igual a história do copo. Aprecie da maneira que achar melhor. Mas aguente os resultados.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Começo

Vida. Ontem. Rumo. Novos. Encontros. Família. Casa. Outra. Velha. Quando. Sempre. Fim.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Poesia - para quem gosta e para quem faz


Como essa é a primeira terça-feira do mês, tem sarau do burro, um espaço para livre experimentação poética e artística. Começa às 8 da noite, na Casa Nilo 132, que fica na Rua do Nilo, 132, pertinho da estação Vergueiro do Metrô. É para ouvir e é para falar, ler, se expressar. Para quem quiser. Vá.